A REALIDADE DAS FABRICAS TÊXTEIS EM BANGLADESH
- desalinhandoideias

- 5 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de jul.
Bangladesh, uma nação do Sul da Ásia com mais de 170 milhões de habitantes, tem se tornado um dos principais polos da indústria de confecção no mundo. Mas por trás das etiquetas de grandes marcas internacionais, existe uma realidade complexa e muitas vezes dolorosa: jornadas exaustivas, baixos salários, trabalho infantil, insegurança estrutural e ausência de direitos básicos. Entender como Bangladesh chegou a esse papel na cadeia global da moda é essencial para qualquer pessoa que se preocupa com consumo consciente.
A Ascensão de Bangladesh na Indústria da Moda
Como tudo começou?

A indústria têxtil de Bangladesh começou a crescer fortemente nos anos 1980, após a independência do país em 1971 (quando se separou do Paquistão). Com incentivos do governo, baixos custos de produção e mão de obra farta e barata, o setor passou a atrair atenção internacional, principalmente de marcas do Ocidente em busca de terceirização barata.
Na década de 1990, Bangladesh já havia se estabelecido como um dos principais fornecedores globais de roupas prontas (ready-made garments RMG). Hoje, a indústria representa cerca de 80% das exportações totais do país e emprega mais de 4 milhões de pessoas, sendo a maioria mulheres.
Por que Bangladesh?

Mão de obra extremamente barata
Os salários em Bangladesh estão entre os mais baixos do mundo. Em 2023, o salário mínimo no setor têxtil era cerca de 8.000 takas (cerca de 75 dólares por mês).
Leis trabalhistas flexíveis
Muitas fábricas operam com pouquíssima fiscalização. Há relatos de jornadas que ultrapassam 12 horas diárias.
Falta de alternativas econômicas
Com altos índices de pobreza e desigualdade, muitas pessoas dependem desses empregos, mesmo em condições degradantes.
Pressão das marcas internacionais
Para manter contratos com gigantes do fast fashion, os fornecedores em Bangladesh precisam entregar grandes volumes em prazos curtos e com orçamentos mínimos.
As Más Condições de Trabalho

Apesar de ser uma das maiores potências têxteis do mundo, Bangladesh é frequentemente notícia por tragédias e abusos nos locais de trabalho:
Rana Plaza (2013)

No dia 24 de abril de 2013, o edifício Rana Plaza desabou em Savar, na periferia de Daca. Mais de 1.100 pessoas morreram e outras 2.500 ficaram feridas, um dos piores desastres industriais da história moderna.
O prédio abrigava várias fábricas que produziam roupas para marcas como Benetton, Mango, Primark e outras. O mais chocante: trabalhadores foram forçados a continuar no prédio mesmo após alertas de rachaduras em sua estrutura.
Esse evento expôs globalmente a negligência com a vida humana no setor e gerou indignação mundial.
Salários miseráveis

Mesmo após o aumento do salário mínimo, muitas famílias não conseguem cobrir necessidades básicas. Isso força jornadas duplas ou o trabalho de crianças para complementar a renda.
Assédio, abusos e repressão sindical

Funcionárias relatam assédio sexual constante. Há também repressão a movimentos sindicais: líderes são demitidos, perseguidos ou ameaçados. Isso impede negociações por melhores condições.
Trabalho Infantil e Exploração

Embora oficialmente proibido, o trabalho infantil ainda existe em Bangladesh, especialmente em pequenas oficinas informais. Crianças trabalham em condições insalubres, sem segurança, educação ou qualquer garantia de direitos.
Fatores que agravam esse cenário:
Falta de fiscalização estatal
Corrupção local
Demanda por produtos extremamente baratos
Pobreza estrutural
A Responsabilidade do Ocidente

As marcas de fast fashion ocidentais exercem enorme poder sobre os fornecedores. Elas impõem preços, prazos e metas de produção quase impossíveis, o que empurra os fabricantes a cortar custos de onde podem geralmente da mão de obra e da segurança.
É importante lembrar: nenhuma camiseta de R$30 chega até você sem que alguém, em algum lugar, esteja pagando o preço real.
Após o Rana Plaza: houve mudanças?

Sim e não.
O que melhorou:
Acordos internacionais como o Accord on Fire and Building Safety in Bangladesh (2013) foram criados para inspecionar e melhorar a segurança de edifícios.
Algumas marcas aumentaram a transparência e passaram a exigir auditorias de segurança.
Organizações como a Clean Clothes Campaign e a Fashion Revolution surgiram ou se fortaleceram, cobrando justiça no setor.
O que continua igual:
Os salários continuam extremamente baixos.
O ritmo de produção continua alucinante.
A terceirização e subcontratação informal ainda escondem condições precárias que escapam da fiscalização.
O Papel da ONU e de Outras Organizações

A ONU, por meio da OIT (Organização Internacional do Trabalho), tenta intervir e estabelecer padrões mínimos de dignidade no trabalho. A Convenção 138 (idade mínima) e a Convenção 182 (trabalho infantil perigoso) são exemplos.
Contudo, essas diretrizes só funcionam onde há vontade política e capacidade de implementação o que ainda falta em muitos países produtores, incluindo Bangladesh.
Existe saída?

Sim, mas exige um esforço coletivo:
Para os governos:
Garantir leis trabalhistas com fiscalização real
Investir em educação e alternativas econômicas
Para as marcas:
Reduzir o ritmo de produção
Pagar preços justos aos fornecedores
Valorizar a transparência da cadeia produtiva
Para nós, consumidores:
Comprar menos e com mais consciência
Escolher marcas que priorizem a ética
Cobrar transparência das empresas

Bangladesh é um retrato doloroso da engrenagem que sustenta o fast fashion. A moda, que deveria ser expressão e arte, muitas vezes se transforma em exploração e sofrimento, mas a consciência de todos é o primeiro passo para a mudança.
A próxima vez que você ver uma peça “baratinha” numa vitrine ou em uma loja online, crie o hábito de se perguntar: “Quem pagou o verdadeiro preço por isso?”




